segunda-feira, 10 de maio de 2010

Criação

Criação

(Luís Fernando Veríssimo)

Imagine a cena.
O homem macaco de boca aberta, escondido pela folhagem, olhando aquela maravilha: uma mulher recém-feita.
Como Vênus recém-pintada por Botticelli, com a tinta fresca.
Eva espreguiçando-se à beira do Tigre. Ou era o Eufrates?
Enfim, Eva no seu jardim, ainda úmida da criação. Eva esfregando os olhos.
Eva examinando o próprio corpo.
Eva retorcendo-se para olhar-se atrás e alisando as próprias ancas, satisfeita.
Eva olhando-se no rio, ajeitando os longos cabelos, depois sorrindo para a própria imagem. Seus dentes perfeitos faiscando ao sol do Paraíso.
E o quase homem babando no seu galho.
E, com muito esforço, formulando um pensamento no seu cérebro primitivo. "Fêmea é isso, não aquela macaca que eu tenho em casa."

Há controvérsias a respeito, mas os teólogos acreditam que quando Eva foi criada por Deus tinha entre 19 e 23 anos.
E ela reinou sozinha no Paraíso por duas luas.
E, instruída por Deus, deu nome às coisas e aos bichos.
E chamou o rio de rio e a grama de grama e a árvore de árvore e aquele estranho ser que desceu da árvore e ficou olhando para ela como um cachorro, de Homem.
E quando o Homem sugeriu que coabitassem no Paraíso e começassem outra espécie, Eva riu-se, concordou só para ter o que fazer mas disse que ele ainda precisaria evoluir muito para chegar aos pés dela.
E desde então temos tentado. Ninguém pode dizer que não temos tentado.

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