Resolvi escrever sobre essa antiga dualidade:
sexo e amor.
Comecei perguntando a amigos e amigas.
Ninguém sabe direito.
As duas categorias trepam, tendendo ou para a hipocrisia ou para o cinismo;
ninguém sabe onde a galinha e onde o ovo.
Percebo que os mais “sutis” defendem o amor, como algo “superior”.
Para os mais práticos, sexo é a única coisa concreta.
Assim sendo, meto aqui minhas próprias colheres nesta sopa.
O amor tem jardim, cerca, projeto.
O sexo invade tudo isso.
Sexo é contra a lei.
O amor depende de nosso desejo, é uma construção que criamos.
Sexo não depende de nosso desejo; nosso desejo é que é tomado por ele.
Ninguém se masturba por amor.
Ninguém sofre de tesão.
O sexo é um desejo de apaziguar o amor.
O amor é uma espécie de gratidão posteriori pelos prazeres do sexo.
O amor vem depois, o sexo vem antes.
No amor, perdemos a cabeça, deliberadamente.
No sexo, a cabeça nos perde. O amor precisa do pensamento.
No sexo, o pensamento atrapalha; só as fantasias ajudam.
O amor sonha com uma grande redenção.
O sexo só pensa em proibições: não há fantasias permitidas.
O amor é um desejo de atingir a plenitude.
Sexo é o desejo de se satisfazer com a finitude.
O amor vive da impossibilidade sempre deslizante para a frente.
O sexo é um desejo de acabar com a impossibilidade.
O amor pode atrapalhar o sexo. Já o contrrário não acontece.
Existe amor sem sexo, claro, mas nunca gozam juntos.
Amor é propriedade. sexo é posse.
Amor é a casa; sexo é invasão de domicílio.
Amor é o sonho por um romântico latifúndio; já o sexo é o MST.
O amor é mais narcisista, mesmo quando fala em “doação”. Sexo é mais democrático, mesmo vivendo no egoísmo.
Amor e sexo são como a palavra farmakon em grego: remédio e veneno.
Amor pode ser veneno ou remédio. Sexo também – tudo dependendo das posições adotadas.
Amor é um texto.
Sexo é um esporte.
Amor não exige a presença do “outro”; o sexo, no mínimo, precisa de uma “mãozinha”.
Certos amores nem precisam de parceiro; florescem até mas sozinhos, na solidão e na loucura. Sexo, não – é mais realista.
Nesse sentido, amor é uma busca de ilusão.
Sexo é uma bruta vontade de verdade.
Amor muitas vezes e uma masturbação.
Seco, não. O amor vem de dentro, o sexo vem de fora, o amor vem de nós e demora. O sexo vem dos outros e vai embora.
Amor é bossa nova; sexo é carnaval.
Não somos vítimas do amor, só do sexo.
“O sexo é uma selva de epiléticos” ou “O amor, se não for eterno, não era amor” (Nelson Rodrigues).
O amor inventou a alma, a eternidade, a linguagem, a moral.
O sexo inventou a moral também do lado de fora de sua jaula, onde ele ruge.
O amor tem algo de ridículo, de patético, principalmente nas grandes paixões.
O sexo é mais quieto, como um caubói – quando acaba a valentia, ele vem e come.
Eles dizem: “Faça amor, não faça a guerra”.
Sexo quer guerra.
O ódio mata o amor, mas o ódio pode acender o sexo.
Amor é egoísta; sexo é altruísta.
O amor quer superar a morte.
No sexo, a morte está ali, nas bocas...
O amor fala muito.
O sexo grita, geme, ruge, mas não se explica.
O sexo sempre existiu – das cavernas do paraíso até as saunas relax for men.
Por outro lado, o amor foi inventado pelos poetas provinciais do século XII e, depois, revitalizado pelo cinema americano da direita cristã.
Amor é literatura. Sexo é cinema.
Amor é prosa; sexo é poesia.
Amor é mulher; sexo é homem – o casamento perfeito é do travesti consigo mesmo.
O amor domado protege a produção.
Sexo selvagem é uma ameaça ao bom funcionamento do mercado.
Por isso, a única maneira de controla-lo é programa-lo, como faz a indústria das sacanagens.
O mercado programa nossas fantasias.
Não há saunas relax para o amor.
No entanto, em todo bordel, FINGE-SE UM “AMORZINHO” PARA INICIAR.
O amor está virando um “hors-d’oeuvre” para o sexo.
O amor busca uma certa “grandeza”. O sexo sonha com as partes baixas.
O PERIGO DO SEXO É QUE VOCÊ PODE SE APAIXONAR.
O PERIGO DO AMOR É VIRAR AMIZADE.
Com camisinha, há sexo seguro,
MAS NÃO HÁ CAMISINHA PARA O AMOR.
O amor sonha com a pureza. Sexo precisa do pecado.
Amor é o sonho dos solteiros. Sexo, o sonho dos casados.
Sexo precisa da novidade, da surpresa.
“O grande amor só se sente no ciúme” (Proust).
O grande sexo sente-se como uma tomada de poder.
Amor é de direita.
Sexo, de esquerda (ou não, dependendo do momento político.
Atualmente, sexo é de direita. Nos anos 60, era o contrário.
Sexo era revolucionário e o amor era careta).
E por aí vamos. Sexo e amor tentam mesmo é nos afastar da morte.
Ou não; sei lá... e-mails de quem souber para o autor.
Arnaldo Jabor
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