domingo, 27 de junho de 2010

Nós e os outros - Companhia e Solidão

Nós e os outros - Companhia e Solidão
Enquanto não atravessarmos a dor de nossa própria solidão, continuaremos a nos buscar em outras metades. (Fernando Pessoa)

O que é o amor senão a descoberta que não somos capazes de amar a nós mesmos somente? Descobrimos, e ainda bem que descobrimos que o outro é parte que nos completa.

Mas discuto a seguinte questão: E quando não nos completamos mais, na espera do complemento do outro? O amor doentio nasce daqui, de não nos amarmos e esperar que o outro nos ame.

É preciso que sejamos apaixonados por nós mesmos. É preciso amar a solidão, nossa fiel companheira. Acredite, é na solidão que mais amamos as pessoas. Penso que foi com este sentido que Sartre disse que “Deus é a solidão do homem”. Na solidão nos projetamos rumo à alguma companhia. Nem que seja imaginária, como Sartre aqui define Deus, como fruto da imaginação do homem, causada pela solidão.

Mas deixemos Deus de lado aqui, o que importa neste momento somos nós. Solidão é nosso verdadeiro lar, encontro pessoal. Ao amar mais outros, nos amamos menos a nós, e paradoxalmente amamos muito menos os outros.

Renato Russo, uma vez disse que “o mal do século era a solidão”, não concordo. O mal do século é a falta de diálogo conosco mesmo. Somos escravos dos outros, dependemos do amor do outro… Isso mata!

Frase do Drummond

“Por muito tempo achei que a ausência é falta.
E lastimava, ignorante, a falta.
Hoje não a lastimo.
Não há falta na ausência. A ausência é um estar em mim.
E sinto-a, branca, tão pegada, aconchegada nos meus braços,
que rio e danço e invento exclamações alegres,
porque a ausência, essa ausência assimilada,
ninguém a rouba mais de mim.!“

Ninguém ama melhor e mais intensamente do que aquele que amou a si próprio. A solidão é bom para o coração, para a mente. Como diz o poeta Castelo Branco “”O mais eficaz remédio para um cérebro convulsionado é a solidão.”. Verdade isso, em nós habita todo conforto e repouso. Quem está consigo mesmo, nunca está só. Interessante a declaração da Cleyde Yáconis, uma atriz do nosso pais, ao dizer: “Não sei o que é a solidão. Nunca me senti só. Acho fantástico ficar comigo mesma, com meus milhões de dúvidas e preocupações.”.

Bem, dúvidas e preocupações devem ser compartilhadas, mas sem criar dependência do outro. O outro é complemento, quem sabe 10% do que resta para que sejamos completos?
Para viver a dois, antes, é necessário ser um. (Fernando Pessoa)
Depois que formos esse “um”? Depois que descobrirmos e vivermos nosso amor por nós mesmos. Depois que aprendermos que dependemos mais de nós mesmos do que todo o mundo, o que fazer?

Chega, pois a hora da companhia. Compartilhar solidões. Há quem pense que amar é não ter solidão. Puro engano, é somente a soma de duas solidões. Por essa razão devemos amar a nossa solidão, para amar a solidão do outro. Aconselho que você leia essa Crônica do Rubem Alves, em um momento ele diz essa maravilha “Mas, para me amar, é preciso amar a minha solidão.”

Mas, coisa gostosa é a companhia de alguém. Alguém para dividir pesos e somar alegrias. Amar é a mais bela execução das operações matemáticas: Soma-se as experiências, divide-se problemas, subtrai as diferenças e multiplica-se as alegrias.

Não dá para amar somente a nós mesmos, isso é um ato egoísta. “Nascemos por amor, vivemos para amar e somente o amor eterniza nossas vidas.” Isso é compartilhamento.

Outra pérola do Fernando Pessoa:
O amor é uma companhia
Já não sei andar só pelos caminhos,
Porque já não posso andar só.

Quando o outro é nosso outro eu, e somos o eu do outro, isto é, quando o outro é razão de nossa melhoria, então é inevitável que esse amor dure, o tempo suficiente para jamais ser esquecido.

Lembro-me de uma pergunta do Stº Agostinho: O que amamos quando amamos alguém? Isso é: Alguém tem algo que nos interessa. Enquanto esse alguém tem algo que me interessa, ela me interessa.

Sabe o que mais me interessa na pessoa que amo? Eu mesmo. Quero me encontrar nela, ela deve querer se encontrar em mim. Quando eu não me ver dentro dela, foi-se embora o amor. Mas não me desespero, afinal de contas, eu amo a minha solidão, deixei apenas de amar a solidão do outro.

Mas, coisa gostosa é gostar da solidão do outro…
Então fica assim. Eu amo a minha solidão, e na minha solidão amo a tua, para que então haja companhia entre nós.

Wagner Martins

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