domingo, 26 de setembro de 2010

Nossa vida, a melhor resposta
(Martha Medeiros)

Quem é você ? Do que gosta ? Em que acredita? O que deseja? Dia e
noite somos questionados, e as respostas costumam ser inteligentes,
espirituosas e decentes. Tudo para causar a melhor impressão aos
nossos inquisidores. Ora, quem sou eu. Sou do bem, sou honesto, sou
perseverante, sou bem-humorado, sou aberto -- não costumamos
economizar atributos quando se trata da nossa própria descrição. Do
que gostamos? De coisas belas. No que acreditamos? Em dias melhores.
O que desejamos? A paz universal.

Enquanto isso, o demônio dentro de nós revira o estômago e faz cara
de nojo. É muita santidade para um pobre diabo, ninguém é tão
imaculado assim.

A despeito do nosso inegável talento como divulgadores de nós mesmos
e da nossa falta de modéstia ao descrever nosso perfil no Orkut, a
verdade é que o que dizemos não tem tanta importância.

Para saber quem somos, basta que se observe o que fizemos da nossa
vida. Os fatos revelam tudo, as atitudes confirmam. O que você diz --
com todo o respeito -- é apenas o que você diz.

Entre a data do nosso nascimento e a desconhecida data da nossa
morte, acreditamos ainda estar no meio do percurso, então seguimos
nos anunciando como bons partidos, incrementamos nossas façanhas,
abusamos da retórica como se ela fosse uma espécie de photoshop que
pudesse sumir com nossos defeitos. Mas é na reta final que nosso
passado nos calará e responderá por nós.

Quantos amigos você manteve.
Em que consiste sua trajetória amorosa.
Como educou seus filhos.
Quanto houve de alegria no seu cotidiano.
Qual o grau de intimidade e confiança que preservou
com seus pais.
Se ficou devendo dinheiro.
Como lidou com tentativas de corrupção.
Em que circunstâncias mentiu.
Como tratou empregados, balconistas, porteiros, garçons.

Que impressão causou nos outros -- não naqueles que o conheceram por
cinco dias, mas com quem conviveu por 20 anos ou mais.

Quantas pessoas magoou na vida. Quantas vezes pediu perdão.

Quem vai sentir sua falta. Pra valer, vamos lá.

Podemos maquiar algumas respostas ou podemos silenciar sobre o que
não queremos que venha à tona. Inútil. A soma dos nossos dias
assinará este inventário. Fará um levantamento honesto. Cazuza já nos
cutucava: suas idéias correspondem aos fatos? De novo: o que a gente
diz é apenas o que a gente diz.

Lá no finalzinho, a vida que construímos é que se revelará o mais
eficiente detector de nossas mentiras.

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