domingo, 26 de setembro de 2010

s pessoas investem suas emoções em coisas, em valores, em outras pessoas.
Ocorrem, pois, dores de emoção quando perdemos o aquilo sobre o que
investimos, seja porque deixou de existir, seja porque não conseguimos
mantê-lo. Perdas e abandonos doem. Freud chama a isso de luto. O luto é
sempre narcísico, ou seja, é dolorido porque dói no amor que se tem por si
próprio. Sim, cada um de nós se ama a si mesmo acima de tudo, e não se
conforma em perder ou ser abandonado. Nisso concorremos com as próprias
divindades, que querem, sempre, que todos as amem acima de todas as coisas.

Em psicologia, narcisismo é o investimento exagerado da libido no próprio
ego. Traduzindo, narcisismo é o eu sou o bom, o bonito e o gostoso, e só por
isso me amo. O narcisista enxerga pouco outras pessoas, o próprio mundo;
gosta de se ver, e transforma tudo em seu espelho. Acaba confundido com o
mal-amado, pois, ávido por atenção, parece que tem pouca. Não é o caso, ele
tem a quota normal que todos recebemos, mas havendo-se acima da conta geral,
nunca o que lhe é dado alcançará o que ele entende que necessita.

Isto descreve a aparência evidente do narcisista. Já se conhece bem esse
tipo. Mas há outros aspectos que suponho não muito percebidos. O que traz as
mais daninhas consequências é a sua resistência a qualquer mudança em si, em
seu pensamento, em seu relacionamento com o mundo. Ora, alguém que se
considera um pacotinho bem feito, com tudo bem direitinho no seu lugarzinho,
não admite mexer em nada. Ele está bem, suas idéias sobre as coisas estão
bem, seus planos para o futuro são irretocáveis.

Mas, vamos por partes, que se tudo estivesse bem não haveria a compulsão
narcísica. Ele só está bem porque se acredita uma obra de arte. Logo, nunca
estará satisfeito, porque nunca se achará suficientemente apreciado. No
relacionamento amoroso, por exemplo, a admiração do seu par jamais será
bastante. Espera homenagens além das possibilidades do um só que o ama;
melhor se a turma o reconhecer, se o mundo o desejar. Caso isso não
aconteça, o sujeito dá um jeito de exibir-se. Exibindo-se e não obtendo
amor, torna-se arrogante: as pessoas seriam tolas; ou fica depressivo: não é
reconhecido como deveria.

Suas ideias são as da salvação: diante das discordâncias, se o narcísico
está em boa posição, dirige um olhar superior ao dissidente: age
piedosamente com o ignorante que dele discorda, esse ignorante que jamais o
alcançará. Se sua posição não está vantajosa, angustia-se na defesa do que
só os néscios contestam. Levanta-se, gesticula, torna-se a tonitruante voz
da sabedoria. O futuro foi desenhado à sua própria imagem, e, nele,
enquadrou quem está em volta. Planejou os ideais do consorte, a profissão
dos filhos, a existência, enfim. Vai frustrar-se, claro, e apontará um
culpado.

Claro, sem amor próprio, nos dissolvemos na opinião dos outros, nas
confrontações cotidianas. Nos excessos, contudo, negamos a realidade.
Escolha e abandono, com dor, pelo não escolhido; dor maior, se não somos os
eleitos de alguém; dor do dia-a-dia, porque a juventude nos abandona, nossos
costumes são substituídos, nossas ideias saem da moda, nossos entes queridos
morrem, nossos sonhos não se realizam. Toca-nos uma melancolia, um luto
triste. Mas é assim: entramos em resguardo, lambemos as feridas, sacudimos a
poeira e damos a volta por cima, porque a vida continua. Nisso tudo,
goste-se um tanto, namore um pouco, faça humor consigo mesmo e não se tenha
em tanta conta assim.

*LÉO ROSA DE ANDRADE
*Doutor em Direito pela UFSC. Psicólogo e Jornalista. Professor da Unisul.

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